Garimpo de ouro no Rio

Com investimento inédito, esportes menos tradicionais ganham destaque na luta pelo recorde de medalhas

Guilherme Faria, Maria Tereza Matos, Matheus Martins Fontes e Raul Galhardi

Lucão, do vôlei, faz parte de um esporte bem estruturado, que há trinta anos garante medalhas ao Brasil. Isaquias Queiroz, da canoagem, sempre remou numa modalidade longe dos holofotes e dos investimentos. Dois caminhos que vão se encontrar no Rio, em 2016, com a mesma responsabilidade: fazer o País chegar às sonhadas 27 medalhas e integrar a lista dos dez melhores dos Jogos.

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Ilustração: Alexandre de Maio

Só o governo federal vai gastar pelo menos R$ 2,5 bilhões, investindo em várias frentes, da construção de centros de treinamento à concessão de bolsas para atletas, olímpicos e paralímpicos. Recursos nem sempre bem direcionados, mas que vêm mudando a história do esporte de alto rendimento no Brasil.

 

A maior arrancada é vista principalmente em esportes menos badalados, como a canoagem de Isaquias. Considerado um fenômeno da modalidade, o canoísta de 20 anos trocou a falta de estrutura da Universidade de São Paulo (USP) pelas raias em Lagoa Santa (MG), exclusivas para a seleção. E ganhou como técnico o espanhol Jesús Morlán, mentor de cinco medalhas olímpicas. “Até hoje eu não entendi direito o método dele (Morlán). Só sei que dá resultado”, brinca o atleta.

Mas Isaquias ainda se lembra dos tempos em que não recebia nenhuma verba oficial, obtida apenas após ele se destacar nos Jogos Olímpicos da Juventude, em 2010. Esse direcionamento radical de investimento para os que já despontaram é criticado por atletas e especialistas. “O Brasil seleciona, mas não forma”, diz Lamartine da Costa, ex-pesquisador do Comitê Olímpico Internacional (COI).

A ex-jogadora de vôlei Ana Moser, bronze nos Jogos de Atlanta, em 1996, explica que é muito mais simples para as autoridades apoiar o atleta já em alto nível, caso de Isaquias, do que apostar em um longo trabalho na base. “Deveríamos focar na estrutura a longo prazo.” Antes de receber o auxílio do Bolsa Atleta, há três anos, o canoísta se mantinha remando graças à ajuda da mãe.

Avanços. Mas ainda que o investimento não atenda plenamente as 42 modalidades olímpicas, a quantia inédita destinada ao esporte vem, de fato, produzindo efeitos notáveis. Isaquias e a seleção de canoagem não têm do que reclamar da sede em Minas Gerais. “Não faltam canoa, remo, suporte ou estrutura médica”, cita o atleta de Ubaitaba (BA).

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Ilustração: Alexandre de Maio

Sua evolução desde a chegada do técnico Morlán, em 2013, é um dos indícios de que investir em treinadores estrangeiros pode ajudar no desenvolvimento de uma modalidade. “É a forma mais rápida de trazer resultados”, justifica Marcus Vinícius Freire, superintendente executivo de esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB). A estratégia trouxe resultados também para o tiro com arco, que contratou o técnico italiano Renzo Ruele, em julho. O treinador foi importante para levar Marcus Vinícius D’Almeida à medalha de prata nos Jogos Olímpicos da Juventude e ao vice da Copa do Mundo, na sequência. Os bons resultados vieram ainda para o polo aquático. A seleção masculina conquistou o Campeonato Sul-Americano na Argentina sob o comando do croata Ratko Rudic, que chegou em janeiro, logo após conseguir o título olímpico com o time de seu país, em 2012.

Esse conjunto de medidas pode aproximar o País de seu melhor desempenho olímpico. Conseguir dez medalhas a mais que em Pequim-2008, algo que pareceria distante, é possível, na opinião de atletas, ex-atletas e especialistas. Para isso, o esforço está justamente em dar melhores condições às modalidades ascendentes – chamadas de potenciais e contribuintes no Plano Estratégico do COB. Caso do boxe, da ginástica artística, do pentatlo moderno e da canoagem.

Isso sem perder de vista os esportes que sempre colocam o País no pódio, como judô, vela, natação e vôlei. Lucas Saatkamp, o Lucão, fala do peso que será brigar pelo ouro no Rio, após duas pratas nos Jogos de 2008 e 2012. “Nosso retrospecto em casa não é bom”, diz o meio de rede. Nas últimas competições disputadas em solo brasileiro – a Liga Mundial em 2002 e 2008 -, o título não veio. “Para a gente se acostumar com a pressão de jogar uma final aqui, foi pedido que a decisão da Liga Mundial fosse no Brasil em 2015.”

Ao peso das medalhas ganhas, soma-se a obrigação de ter um desempenho compatível à estrutura de ponta que a modalidade dispõe em Saquarema, no Rio. No centro de treinamento do vôlei, as condições são ideais desde a seleção infantil. Lucão chegou em Saquarema no juvenil, um pouco mais velho, aos 18 anos. “Nossa preparação sempre foi espetacular”, afirma o titular do grupo de Bernardinho. “Temos uma academia excelente, fisioterapia, nutricionista e as melhores quadras.”

Lacunas. Essa realidade de treinamento, porém, não é compartilhada por todas as modalidades. Dos oito centros de treinamento que seriam construídos para este ciclo olímpico, somente quatro estão prontos, em condições de ajudar na preparação das equipes.

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Ilustração: Alexandre de Maio

Se o atletismo pode contar com novíssimas instalações em São Bernardo do Campo (SP), que chegam para completar a estrutura de CTs disponíveis, a seleção de tae kwon do treina espalhada em academias de diferentes Estados. E a equipe do ciclismo BMX, sem pista oficial após seguidas dificuldades na licitação da obra, pedala hoje na Suíça.

A opção de oferecer treinamento no exterior tem sido usada para contornar essas falhas. “A falta de infraestrutura sempre existiu”, diz Marcus Vinícius, do COB. “O Brasil demorou para fazer investimentos importantes a longo prazo. Não tendo (estrutura) aqui, mandamos o atleta para fora.” O dirigente diz que o intercâmbio no exterior pode até ser benéfico para os atletas ganharem experiência.

Enquanto há recursos para esse tipo de iniciativa, a solução vem sendo oferecida. Mas há quem se preocupe com a continuidade dos projetos e investimentos para o esporte quando os Jogos terminarem. “A preocupação existe. Os atletas ficam receosos em relação a como serão os ciclos subsequentes”, diz Daniel Santiago, diretor executivo da Confederação Brasileira de Vela. “Acho que alguns caminhos não têm volta. Você não pode imaginar que o Brasil vá retroceder. Não quero pensar nisso, como presidente de confederação e ex-atleta.”

A insegurança está em parte relacionada ao Bolsa Pódio, incluído no Plano Brasil Medalhas, criado especificamente para esta Olimpíada. E à Lei de Incentivo ao Esporte, que existe desde 2007, mas que tem previsão de vigorar somente até o próximo ano.

O Bolsa Pódio garante ganhos de até R$ 15 mil a esportistas de alto rendimento e veio para complementar o tradicional Bolsa Atleta, mais geral, que contempla amadores e profissionais. Já a Lei de Incentivo prevê 1% de isenção fiscal a empresas que estimularem projetos esportivos.

O secretário de Alto Rendimento do Ministério do Esporte, Ricardo Leyser, assegura que os financiamentos não cessarão. “Os programas existem e não são condicionados à realização dos Jogos no Brasil.”

Ainda faltam 600 dias para o início da Olimpíada do Rio. Mas Isaquias já sonha em ocupar uma das nove raias da Lagoa Rodrigo de Freitas, remando pela inédita medalha para a canoagem. E Lucão tem a meta de recuperar a hegemonia para a seleção masculina de vôlei, no Maracanãzinho. Esforço e esperança com foco na mesma data: 21 de agosto, nas duas finais.

 

Para ler a matéria em O Estado de S. Paulo, clique aqui.