Entre o sonho e a realidade: quando o jornalista muda de carreira

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É um “lugar comum” para quem trabalha com o jornalismo a ideia de que é preciso ter paixão pela profissão para atuar na área. Apenas a paixão, entretanto, não tem sido o suficiente para muitos profissionais, que acabam desistindo da carreira.

Segundo dados da pesquisa “Perfil do Jornalista Brasileiro – 2021”, realizada pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), com apoio de diversas organizações, mais de um terço dos jornalistas brasileiros (34,9%) trabalham fora da mídia, normalmente na área de assessoria de imprensa ou em empresas e órgãos públicos, enquanto outros 7,4% atuam como docentes em jornalismo ou outras áreas.

Salário e etarismo

“Empiricamente, inferimos que as pessoas mudam de profissão por questões salariais, insatisfação em relação à renda e às condições de trabalho, busca de estabilidade, entre outros fatores”, afirma Samira de Castro, presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), uma das entidades que apoiaram o estudo.

“É um mercado desgastante que não oferece muitas perspectivas de futuro e não é muito generoso com profissionais mais velhos”, afirma a jornalista Luiza Bodenmüller, que se formou em jornalismo em 2012 na Estácio de Sá de Florianópolis após tentar vestibular para Medicina por 6 anos. Atualmente, Bodenmüller trabalha com consultorias na área de comunicação estratégica após ter passado por veículos como Agência Pública, Aos Fatos, Meio e Núcleo.

“A precarização e a falta de perspectiva de futuro são as coisas que mais me incomodam. Não me refiro apenas à pejotização, mas também à ideia, parte da ‘cultura jornalística’, de que é ok trabalhar além do horário, assumir responsabilidades que não são suas e abdicar de coisas que são importantes porque o trabalho vem em primeiro lugar. Demorou, mas hoje entendo que o trabalho é parte da minha vida e não ela inteira”, explica.

Segundo o estudo da UFSC, quando questionados se o ritmo de trabalho é muito intenso, 73,3% dos entrevistados disseram que “sim”. Sobre a valorização no trabalho, 43% concordam com a afirmação “me sinto desvalorizado no trabalho”.

Outro aspecto importante diz respeito à renda. O jornalismo brasileiro paga pouco a profissionais de formação elevada. A renda mensal de 59,2% dos entrevistados é inferior a R$ 5.500 por mês e apenas 12% recebem acima de R$ 11 mil, revela a pesquisa.

“Eu não abandonei o jornalismo totalmente e ainda trabalho com redações na parte de desenvolvimento e gestão de comunidades e produtos, que são as áreas em que me especializei nos últimos anos”. Além de investir na carreira acadêmica (atualmente está no doutorado), Bodenmüller tem focado em modelos de trabalho que lhe tragam retorno financeiro e que permitam manter qualidade de vida com tempo livre e cuidados com a saúde física e mental.

Mudança radical de área

Nathalia Lobo decidiu ser jornalista ainda na adolescência aos 13 anos.“Gostava muito de escrever, sempre fui muito fluente na leitura e ganhei concursos literários no colégio”, diz ela. Lobo iniciou na profissão como estagiária no jornal Diário do Nordeste, onde fez toda a sua carreira. Assim que se formou na UFC (Universidade Federal do Ceará), foi contratada como repórter de polícia, passando depois pelas cargos de subeditora e editora de Cidades.

Mas entre 2016 e 2017, quando estava no topo da carreira, a profissão começou a pesar na sua rotina. “Eu ficava no jornal até o início da madrugada para o fechamento da primeira página e comecei a ficar muito ausente de casa”, explica Lobo. “Minha filha, que na época tinha sete anos, começou inclusive a querer morar com a avó porque ela reclamava que eu não estava em casa”.

Além disso, Lobo relata que o perfil do jornalismo estava mudando e que ela já não se identificava mais com o trabalho. “Embora eu sempre tivesse gostado muito, eu não me sentia mais parte do jornalismo como à moda antiga, ou seja, o trabalho que fazíamos de apuração, investigação, de redação minuciosa”, diz ela. “O jornalismo mudou e tornou-se muito rápido, muito factual, muito do momento, e essa transição que eu peguei na época me desiludiu um pouco e tirou o tesão de trabalhar com a notícia”. Hoje ela é nutricionista clínica funcional e pediátrica e trabalha com crianças autistas com seletividade alimentar.

Conselhos para futuros jornalistas

Apesar de ter abandonado a carreira jornalística, Lobo não desestimula aqueles que querem seguir a profissão. “Tenho até hoje muito carinho pelo jornalismo. Como meu pai dizia, a gente está aqui nesse mundo para ser feliz então se o que nos faz feliz for a escolha do jornalismo é pra ela que temos que ir, então eu não desanimo ninguém a seguir a carreira”.

Como orientações para aqueles que buscam seguir o jornalismo, Bodenmüller sugere aproveitar a faculdade ao máximo. “Durante a formação temos acesso a estrutura e a professores que em geral estão dedicados aos seus alunos e que têm disposição para ensinar, para guiar. Acho que a faculdade tende a ser um ambiente mais acolhedor ao aprendizado do que o mercado”, reflete.

Além disso, ela recomenda manter uma rotina de estudos mesmo quando a pessoa já estiver atuando profissionalmente. “Manter-se atualizado sobre tendências, possibilidades e discussões do campo dão alguma vantagem na hora de tomar decisões e propor projetos e pautas.” Bodenmüller também destaca: “Por fim, o básico do básico: ler e acompanhar jornalistas e veículos e construir esse campo de referências é essencial para desenvolver e aprimorar o seu próprio trabalho”.