A experiência de jornalistas fora do Brasil

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Estudar fora, procurar melhores oportunidades de trabalho ou simplesmente conhecer novas culturas. Durante a carreira jornalística, são várias as razões que motivam um profissional a mudar de ares e viver em outro país.   

No caso dos jornalistas Rafael Carneiro e Renata Johnson, a busca por uma formação no exterior foi o que motivou a empreitada. Johnson, que mora desde 2008 em Maryland, em Washington DC, foi para os Estados Unidos em 1997 fazer faculdade de jornalismo na Universidade do Missouri.

“Meu objetivo era me formar e voltar ao Brasil ou fazer uma carreira internacional voltada para lá, mas conheci meu marido e acabei ficando”, explica ela, que trabalha como “Outreach Coordinator”, uma espécie de “relações públicas”, no Departamento de Ciências Geográficas da Universidade de Maryland.

Carneiro, que vive em Santiago do Chile há cinco anos, saiu de São Paulo e foi cursar uma pós-graduação em comunicação digital na Universidade do Chile com prazo para voltar, mas acabou ficando. “Enxerguei uma oportunidade boa para trabalhar como jornalista e decidi ficar”, diz ele, atualmente repórter do  BioBioChile.

Já para o jornalista Paulo Markun, a saída do Brasil nunca foi definitiva. “Os motivos  são diversos e incluem a possibilidade de trabalhar à distância, o fato dos meus netos estarem crescendo e do ímpeto profissional menos intenso após 50 anos de jornalismo”, explica ele que vive entre Lisboa e o Brasil trabalhando em projetos jornalísticos brasileiros produzindo podcasts, documentários e livros.

Obstáculos e desafios

Mudar de país, entretanto, não é uma decisão simples e por isso é preciso planejamento. “A minha mudança teve duas etapas. Em 2019, vim para estudar e acabei solicitando a minha residência. Nesta época, entrei em contato com vários editores antes de sair de São Paulo porque o meu objetivo era oferecer trabalhos freelancer para o Brasil”, afirma Carneiro.

Ao final daquele ano, ele voltou a São Paulo com a intenção de retornar ao Chile em março de 2020. Porém, com a pandemia de Covid-19, seus planos de retorno foram adiados para outubro daquele ano. “Entre janeiro e março me organizei, principalmente com a parte médica e com os documentos, porque para que o diploma tenha validade fora do Brasil é preciso que ele seja validado”.

“Já tinha começado a faculdade no Brasil e vim como aluna de transferência”, conta Johnson. Ela diz que o fato de ser brasileira e não ter o inglês como língua materna limitou a sua carreira. Além disso, ela relata que colegas estrangeiros com habilidades mais técnicas em jornalismo de dados, investigativo e multimídia tiveram menos dificuldades para se encaixar no mercado de trabalho.

O mais difícil, entretanto, foi o nascimento do seu primeiro filho durante a faculdade. “Quando ele nasceu, ficou claro que eu não estava disposta a viver para o jornalismo e trabalhar mais de 60 horas por semana como era esperado”, afirma.

Salário e custos

Quem trabalha com jornalismo no Brasil sabe as dificuldades do cenário nacional. Em nove anos, o mercado de trabalho formal para jornalistas encolheu 21,3%, de acordo com estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A área passou de 60.899 empregos celetistas, em 2013, para 47.900 postos com carteira assinada, em 2021, último ano da série histórica.

Além disso, a remuneração média dos jornalistas no país, em 2021, foi de R$ 5.745, estando 53% dos profissionais concentrados na faixa até quatro salários e 22,9% ganhando até dois salários.

“A carreira praticamente acabou. Persiste o ofício, não a profissão, em razão da crise, das novas mídias e do colapso de uma indústria cuja base, sustentada pela publicidade e por assinaturas, foi torpedeada. Oportunidades há, muitas, mas estão em nichos e novas funções, em boa parte precárias”, afirma Markun.

“O mercado jornalístico em Portugal é pequeno e sobrevive porque temos uma língua peculiar, falada por ‘apenas’ 300 milhões de pessoas no mundo”, analisa Markun. Segundo ele, um jovem repórter ganha pouco mais do que o salário-mínimo, que é de € 820, enquanto um editor recebe entre € 1500 e € 2000.

Qualidade de vida

Por outro lado, para Markun vive-se melhor em Portugal com menos recursos do que no Brasil devido ao regime de segurança social, que garante educação, saúde e outros serviços a todos, inclusive aos migrantes. Segundo o jornalista, a moradia é o item que mais encarece a vida em solo português.

Diferente de Lisboa, no Chile, porém, “por tudo se paga”, explica Carneiro. No país não existe universidade e saúde públicas, o que obriga as pessoas a pagarem pelos serviços.  “O valor do plano de saúde aqui é semelhante ao que eu pagava no Brasil antes de me mudar”, diz.

Em relação aos salários nas redações, a média salarial de um repórter é parecida com a brasileira. Segundo o site tusalario.org, um jornalista com menos de cinco anos de carreira recebe entre o equivalente a R$ 2.759 e R$ 5.641,32. A partir de cinco anos, o valor varia entre R$ 4.080 e R$ 8.293,78.

“Penso que os direitos são um pouco melhores no Brasil. Aqui não existe 13º salário e temos direito a menos dias de férias. Resumidamente, apesar do salário-mínimo ser maior do que o brasileiro, o custo de vida é alto”, afirma ele.

Nos EUA, o salário médio dos jornalistas também varia muito, dependendo da cidade e especialidade. Segundo o ZipRecruiter, o salário anual médio é de US$60.979 (cerca de US$5.000 por mês). “Pode parecer bom se converter ao Real, mas é apertado morar aqui com essa quantia e a maioria não consegue esse valor quando se forma. Os veículos maiores pagam mais, mas poucos jornalistas ganham bem e estão contentes com a remuneração”, avalia Johnson. 

O custo de vida americano também oscila bastante. “Washington é parecido com as grandes cidades brasileiras: moradia cara, comida cara, transporte caro. Porém, o salário é melhor e tem serviços que no Brasil são muito menos acessíveis”, diz a jornalista.

Sugestões para os viajantes

“O primeiro passo é ter os seus documentos todos regularizados. Se um jornalista não tiver a cédula de identidade, por exemplo, não poderá freelar para nenhuma empresa chilena, pois não poderá emitir nota. Além disso, tenham paciência porque um emprego com contrato pode não vir logo e por isso é importante se planejar financeiramente”, diz Carneiro. “Nenhuma mudança de país deve ser feita sem planejamento financeiro porque as chances de dar tudo errado é grande”.

Como Carneiro, Johnson não pretende voltar a morar no Brasil. Ela aconselha quem deseja viver nos EUA que, se possível, faça uma graduação ou um mestrado de jornalismo no país. “Fique de olho nas oportunidades internacionais na IJNet, concorra e não desista se não for selecionado de primeira. Jornalistas brasileiros com foco em meio ambiente, dados e empreendedores são bem vistos e têm mais chances de conseguir oportunidades. Habilidades multimídia e audiovisuais também são valorizadas”.

Johnson vai mais longe nas dicas. “Viu uma pessoa no seu emprego dos sonhos? Escreva para ela pedindo uma conversa sobre a carreira dela. Tenho vários colegas que se deram bem através desse tipo de contato”, explica ela. “Lembre que o fato de você ser brasileiro e latino-americano traz uma perspectiva, língua e cultura que contribuem como diferencial para o lugar onde você vai trabalhar”.