Europa nunca esteve preparada para moeda comum, diz líder do Partido Socialista holandês

Deputado europeu Emile Roemer critica ensino brasileiro e lembra que crise econômica tem origem em políticas da direita europeia

Há cerca de um ano, mais precisamente três semanas antes das eleições parlamentares holandesas de 12 de setembro de 2012, o deputado e líder do Partido Socialista Emile Roemer possuía chances reais de se tornar o primeiro-ministro do país. Até esta data tudo indicava que o descontentamento com a política econômica do governo liberal de Mark Rutte elegeria o socialista, que ocupava o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto.

Abertas as urnas, saiu vitorioso o Partido Popular para a Liberdade e Democracia, da situação, que conquistou 41 cadeiras no parlamento e reelegeu seu primeiro-ministro. O Partido do Trabalho, social-democrata, foi o segundo mais votado, obtendo 38 lugares, seguido pelo Partido Socialista e pela agremiação de extrema-direita Partido da Liberdade, ambos com 15 assentos.

Em 2006, uma atmosfera de entusiasmo similar à de 2012 fez com que os socialistas quase triplicassem o seu tamanho, obtendo o número recorde para a legenda de 25 assentos. Porém, acusados de “radicalismo”, foram excluídos da formação do governo, que ficou nas mãos dos democratas-cristãos. Em 2010 o partido sofreu perdas, caindo para 15 cadeiras, e testemunhou a vitória dos liberais de Rutte.

Entre os dias 07 e 14 de agosto deste ano, Roemer visitou o Brasil acompanhado do secretário de partido, Hans van Heijningen, e do jornalista Peter Runhaar. No itinerário, São Paulo, Brasília e Salvador. Na agenda, encontro com diversos políticos como os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Wellington Dias (PT- PI) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em São Paulo, o socialista holandês visitou escola pública; para ele, falta foco em ensino técnico no Brasil. Raul Galhardi/Opera Mundi

Em São Paulo, o socialista holandês visitou escola pública; para ele, falta foco em ensino técnico no Brasil. Raul Galhardi/Opera Mundi

Na entrevista abaixo a Opera Mundi, Roemer fala sobre os motivos da derrota do Partido Socialista nas últimas eleições e o que o levou a conhecer o Brasil. Explica a atual situação econômica e política da Holanda e aborda questões como o crescimento da extrema-direita local, a legalização das drogas e da prostituição, o fechamento de presídios e o modelo policial holandês.

Opera Mundi: Qual o motivo da sua visita ao Brasil?
Emile Roemer: Para mim é uma viagem de estudos. Eu quero saber porque o Brasil, importante país no cenário mundial, é um dos países do mundo que está crescendo economicamente. Eu quero conhecer pessoas que me digam quais dificuldades o Brasil tem hoje. A melhor coisa não é apenas ler jornais ou livros, isso também é importante, mas conversar com pessoas que vivem no Brasil, que sentem o Brasil, e ver com seus próprios olhos. É por isso que estou aqui.

OM: Você conversou com políticos, professores universitários, jornalistas, empresários e visitou ONGs, colégios públicos, asilos e uma família brasileira. Que impressões você tem das nossas políticas sociais?
ER: Antes gostaria de fazer um elogio. A minha primeira impressão é a de que todos os brasileiros são pessoas extremamente gentis.

Nós temos a ideia, na Holanda, de que o Brasil e outros países sul-americanos estão trabalhando duro para melhorar a questão da pobreza, da igualdade social, da assistência social. Eu acho que ocorreram muitas melhoras. O Brasil é um país que teve muita pobreza no seu passado e, nos últimos dez anos, 14 milhões de brasileiros melhoraram seu padrão de vida. A minha questão é: como isso foi possível? Porém, ainda não é o suficiente.

OM: Após conhecer uma escola pública estadual em São Paulo, quais diferenças básicas você vê entre uma escola pública brasileira e uma holandesa?
ER: Fui professor durante 18 anos na Holanda. Quando você quer melhorar o país, a economia, as oportunidades para os jovens, uma educação excelente é muito importante. Não apenas para os jovens entre 4 e 17 anos. Após os 17, 14% da juventude brasileira, aproximadamente, vão para a universidade. O que o resto irá fazer?

Acredito que também não há uma educação técnica suficiente para a juventude no Brasil. Na Holanda, a escola primária vai até os 12 anos de idade. Depois disso os jovens tomam uma decisão: ou você busca uma educação teórica porque quer ir para a universidade aos 18 ou vai aprender uma profissão, como enfermeira, encanador, trabalhador da construção, etc.

Quando você quer melhorar a economia e o bem-estar para todos você precisa melhorar a educação, estudar, aprender uma profissão.

OM: Como são feitas e mantidas as parcerias do Partido Socialista com outros partidos do mundo?
ER: Na Zona do Euro nós trabalhamos juntos com alguns partidos no Parlamento Europeu.  Os partidos da Esquerda Unida (United Left). Eu acredito que é muito importante nós aprendermos e conversarmos entre nós para fazer o movimento socialista ao redor do mundo maior e mais importante.

OM: Vocês também dialogam com o Partido Verde holandês? Ele pode ser considerado de esquerda?
ER: Eles já foram mais de esquerda no passado. Atualmente conversamos com eles e trabalhamos juntos em algumas questões.

OM: O governo holandês foi reeleito. O que você acha da maneira como ele está conduzindo a economia? Que críticas o Partido Socialista faz e o que propõe?
ER: Nós temos na Europa um grande problema econômico e financeiro. No final dos anos 90 foi decidido que a Europa deveria ter uma moeda única, uma união monetária. Nós fomos o único partido na Holanda a dizer “não façam isso. É muito cedo”. Os países europeus não estão preparados para uma moeda comum e uma união monetária porque os níveis econômicos dos países do norte da Europa e do sul são muito diferentes. As culturas são muito diferentes.

Em 2002 o Euro foi introduzido e em 2008, quando a crise se alastrou pela Europa, descobriram que nós tínhamos um grande problema. Nós estávamos certos e agora temos muitos problemas com desemprego. Na Espanha, por exemplo, a taxa de desemprego entre a juventude alcança os 50%. Há anos que 50% dos jovens não possuem emprego.

Há uma agenda muito liberal na Europa há 20, 30 anos. É fato que os partidos de esquerda no continente não têm chance de estar nos governos, o que é uma pena. Nós estamos lutando não apenas contra os partidos liberais da Holanda, mas contra todos da Europa. Hoje na Holanda temos um governo composto por liberais e sociais-democratas. Até os sociais-democratas possuem um programa liberal e ajudam o partido liberal a privatizar os serviços sociais e de saúde. Sendo assim, nós também estamos lutando contra os sociais-democratas na Europa.

OM: Mas, basicamente, quais as diferenças existentes entre o Partido Socialista e o governo holandês?
ER: O governo deve parar com todos esses cortes de gastos. Eles precisam investir na economia primeiro. Quando as empresas não têm capacidade de investir e as pessoas não possuem poder de compra, o governo precisa investir em infraestrutura e construções, criando casas para a juventude, para pessoas pobres, e deve investir também na educação.

O governo cortou o orçamento da educação. Isso é algo muito tolo de se fazer porque a inovação e a busca por novos produtos e serviços sempre foi muito importante para a Holanda e para a Europa e, se você busca manter isso, precisa investir em boa educação.

OM: Por que o antigo governo foi reeleito? Você acha que a população acredita nas atuais políticas liberais?
ER: Não, ela não acredita. Até três semanas antes das eleições, o Partido Socialista liderava as intenções de voto. Nós possuíamos entre 20 e 25% segundo as pesquisas.

OM: Você poderia ser o primeiro-ministro hoje.
ER: Sim, era uma possibilidade. Nós tivemos um encontro na minha cidade natal onde havia 27 jornalistas do exterior. Eles vieram para Holanda e se perguntavam “existe um partido socialista na Holanda que pode ganhar as eleições. O que está acontecendo lá?”.

Porém, em vez de nos tornamos o maior partido, caímos nas últimas três semanas. Os sociais-democratas copiaram nossos planos, usaram nossas palavras. Havia um novo político, um “new kid on the block”, que é amado pela mídia. Seu nome é Diederik Samsom, dos sociais-democratas. Ele começou a crescer, nós a cair, e a pressão midiática repetia que nós iríamos cair e que ele subiria. Era difícil ganhar essa luta.  No final nós retornamos aos 10% que tínhamos e o partido dele cresceu para 38 assentos no parlamento, o que representa 25% dos lugares.

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Holandês se encontrou com Lula e elogiou os programas brasileiros de transferência de renda. Raul Galhardi/Opera Mundi

Agora, após um ano, a população está muito brava com eles. Ela diz “vocês estão mentindo. Vocês não nos prometeram uma agenda liberal e o que vocês fizeram após as eleições foi se unirem a Mark Rutte e os liberais”. Portanto, as pessoas estão com muita raiva e muito decepcionadas com os sociais-democratas na Holanda. Agora é tarde mais. Foi difícil, eu aprendi com isso, a população também e espero e acredito que as próximas eleições serão nossas.

OM: Quais são os planos do partido para ganhar as próximas eleições? O que vocês devem melhorar? Vocês acham que devem manter uma agenda de esquerda ou caminhar para o centro?
ER: É difícil dizer. Eu acredito que nós temos um bom programa. Talvez existam muitas coisas que nós devemos melhorar. Quando você não é bem sucedido, a primeira coisa que se deve fazer é olhar para si mesmo e pensar o que você pode melhorar.  Toda eleição é diferente, então nós temos que esperar pela próxima e estarmos preparados para ela.

OM: Em 2002, Pim Fortuyn, candidato de extrema-direita, contava com altas intenções de voto até ser assassinado. Em 2010, o Partido da Liberdade, também de extrema-direita, foi o terceiro mais votado. Existe um crescimento da extrema direita holandesa? O que você pensa sobre isso?
ER: Existe e eu fico muito desapontado. Muitas pessoas acham que eles têm as respostas para a crise, para os problemas da pobreza e da educação, e eu sei que eles não têm. Eles culpam a todos. Eles culpam os estrangeiros que trabalham e moram na Holanda, culpam o Islã, a Europa. Essa é a mesma agenda que o Le Pen tem na França e que outros partidos de extrema-direita defendem na Europa. Acho isso muito perigoso. Espero que eles não sejam bem sucedidos nas próximas eleições.

Na história você vê que em épocas de crise econômica, muitas pessoas vão para a direita e cabe aos partidos de esquerda estudarem o porquê. Eu acredito que nosso futuro deve ser melhor. Nós temos que aprender com isso: as pessoas querem saber quais são os nossos planos, qual será o futuro para o país, para o Euro, quando o Partido Socialista estiver no poder. E isso é possível.  Há coisas que os direitistas, os partidos de direita, sempre dizem: partidos de esquerda são incapazes de resolver o problema da economia. Isso é bobagem porque a crise veio pelas mãos da direita e não da esquerda.

OM: É curioso porque a população continua votando na direita.
ER: Sim, é muito curioso, então nós temos que fazer melhor. Nossos planos para o futuro devem ser melhores e a cooperação com outros partidos de esquerda também deve melhorar.

OM: Há uma imagem no Brasil de que a Holanda é um país liberal nos costumes. Vocês possuem uma política de drogas diferenciada e a prostituição é legalizada, assim como o aborto, a eutanásia e o casamento homoafetivo. Você acredita que a sociedade holandesa é liberal ou conservadora?
ER: A maioria da população é liberal. Os partidos conservadores, os partidos cristãos, são contra tudo isso, mas eles são a minoria, embora esses assuntos estejam constantemente sendo rediscutidos. Nós temos discussões sobre a legalização das drogas, por exemplo, e até agora não há uma maioria na Holanda pela legalização, como o Uruguai fez.

Eu acredito que é muito bom discutir com as pessoas nas ruas como solucionar os problemas, porque as drogas são um problema. Existem diferenças entre drogas leves e pesadas e, na minha opinião, nós temos que legalizar as drogas leves como fizemos com o cigarro e o álcool, porque, caso contrário, você cria muita atividade criminosa nas ruas.

OM: É verdade que a política de drogas holandesa está endurecendo, com “coffee shops” sendo fechados? Porque isso está acontecendo?
ER: Esse é um dos pontos controversos das políticas verdadeiramente de direita na Holanda. Eles estão fechando e tornando tudo atividade criminosa. As consequências são que os traficantes estão nas ruas, roubando pessoas, e há muito mais organizações criminosas agora que nós estamos fechando alguns “coffee shops”.  Essa é uma decisão extremamente errada.

OM: Quais drogas atualmente são legalizadas e quais são proibidas?
ER: Drogas pesadas são ilegais, como heroína e cocaína. Não há partido político na Holanda que queira legalizar essas substâncias. A discussão sobre a legalização das drogas trata apenas das drogas leves, como a maconha.

OM: E como funciona a política em relação às drogas pesadas?
ER: Nós temos locais para ajudar viciados em drogas pesadas, onde eles podem usar drogas de forma controlada, com agulhas novas, etc, mas é claro que nós sempre tentaremos desestimular o uso destas drogas. É uma questão difícil.

Hans: Nossos problemas relacionados ao uso de drogas pesadas nas grandes cidades são bem menores do que eram há 20 anos. Isso se explica com um clima mais liberal em relação às drogas leves, com educação pública de qualidade alertando para os riscos dessas drogas e atuando na prevenção.  Também se relaciona com a cena dos usuários de heroína. Aqueles que ainda usam heroína são pessoas mais velhas. Muitos já morreram e os jovens não a usam porque eles sabem dos danos. O que é interessante é que, se você comparar a situação da Holanda com a de outros países europeus, nós temos problemas com drogas bem menores do que a França, Alemanha e Grâ-Bretanha, por exemplo, e isso é fruto de uma política inteligente e sensível de não criminalizar, mas educar as pessoas sem afastá-los.

OM: Essa é uma das razões pelas quais prisões estão sendo fechadas na Holanda?
ER: O governo quer fechar prisões, mas apenas para cortar gastos. Ele tenta trocar a prisão por outros tipos de sanções, como o trabalho comunitário, mas isso não dá certo e gera um grande problema. É um corte temporário, são medidas temporárias, mas que em cinco ou seis anos irão gerar um problema.

O governo também está cortando o orçamento da ressocialização para presos que saem da prisão após o cumprimento de pena de até três anos. As consequências disso são que os ex-presidiários não conseguem trabalho, não são ressocializados, e retornam ao crime. É um pensamento liberal que não enxerga o longo prazo. O problema irá se tornar cada vez pior. É por isso que nós estamos lutando contra essa visão de curto prazo do nosso governo.

OM: Estamos discutindo no Brasil a desmilitarização da nossa polícia que realiza a ronda ostensiva nas ruas. Como é a estrutura policial na Holanda?
ER: Foi criada há pouco tempo uma polícia federal. Nós também temos uma polícia militar, mas ela é totalmente diferente da brasileira. Ela cuida da alfândega, de calamidades públicas, crimes internacionais e problemas de terrorismo.

Nossa polícia de ronda ostensiva foi originada em polícias de cidades, mas desde o ano passado tornou-se uma polícia nacional. Porém, os prefeitos ainda podem influenciar nas políticas públicas de segurança dizendo o que deve ser feito nas suas cidades. Os problemas em Amsterdã, por exemplo, são diferentes dos problemas de pequenas cidades e de outras regiões do país. A criação da polícia nacional foi importante por questões de organização e para evitar termos muitas polícias em diferentes regiões.

Nós enviamos formulários para todos os policiais da Holanda com perguntas sobre como melhorar a situação deles, o que os políticos devem fazer para isso, e 10% deles responderam. Isso é muita gente.

OM: A Holanda legalizou a prostituição no ano 2000. Como está funcionando essa política?
ER: É melhor legalizar do que tornar ilegal, porque a prostituição irá continuar. É preciso dar condições adequadas de trabalho e a legalização também facilita a luta contra o tráfico de pessoas.

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