Entenda a decisão do TSE de cassar Dallagnol e o que ele poderá fazer agora

STF convoca sessão para julgar decisão que dá vaga de Deltan na Câmara a suplente do Podemos (Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por unanimidade, os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cassaram a validade do registro de candidatura de Deltan Dallagnol (Podemos), ex-procurador que coordenou a força-tarefa da Lava Jato e agora ex-deputado federal. Dallagnol foi cassado por fraude à Lei da Ficha Limpa ao sair do MPF (Ministério Público Federal), em novembro de 2021.

Segundo a decisão dos magistrados, Dallagnol renunciou ao cargo de procurador quando já havia sinais de que poderia ser exonerado por desvio de conduta pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), o que poderia impedi-lo de concorrer às eleições de 2022. Dessa maneira, o entendimento dos ministros foi de que o ex-procurador frustrou a aplicação da lei.

Com a decisão, o Tribunal derrubou o entendimento do TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) que negou, em outubro de 2022, a impugnação do registro, logo após Dallagnol se eleger deputado federal como o mais votado do estado.

Análise da decisão

“Do ponto de vista jurídico, a cassação tem gerado opiniões divergentes. Ele perdeu seu mandato porque quando deixou o cargo já havia em torno de 15 pedidos de instauração de processo administrativo disciplinar contra ele. A lei da inelegibilidade (Lei Complementar 64/90) recebeu modificações da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), que estabelece que membros do MP e Judiciário que deixam seus cargos para evitar punições administrativas com processos administrativos instaurados poderão perder o seu mandato. Essa foi a posição adotada pelo TSE”, diz Flávio de Leão, advogado e professor de Direito Constitucional e Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Segundo o advogado, há uma divergência entre especialistas porque parte deles entende que, embora existissem protocolos para que Dallagnol respondesse, não haviam processos administrativos já aceitos e em curso com força para levá-lo a uma punição disciplinar. “Se há só o protocolo, não há o processo ainda instaurado. Na minha avaliação, o ideal seria que tivesse um processo administrativo disciplinar efetivamente em curso, porque do ponto de vista daqueles que não concordam com essa decisão, o princípio da presunção da inocência e o princípio da soberania pelo mandato popular teriam sido violados”.

Já para Antonio Carlos Freitas Junior, advogado e professor de Direito Constitucional, embora a Lei da Ficha Limpa trate como inelegíveis os membros do MP que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, é preciso que seja verificado o comportamento doloso de fraudar a lei no agente para que o cidadão seja considerado inelegível.

“A tradição constitucional e eleitoral dos tribunais brasileiros colocam que quando um ato lícito é usado para burlar uma lei, os efeitos deste devem ser afastados pois fica caracterizada fraude. Sendo assim, como Dallagnol poderia vir a ser condenado em PAD (Processo Administrativo Disciplinar) e pediu exoneração do cargo antes da conclusão de tais procedimentos, a Justiça Eleitoral agiu conforme prevê a lei”, afirma Freitas Junior.

“Antes de expressar o que penso, preciso dizer que não sou fã da Lei da Ficha Limpa (a mesma que Deltan tanto aplaudiu para afastar Lula das eleições de 2018, após decisão condenatória proferida por órgão judicial colegiado sem trânsito em julgado, que acabou sendo anulada pelo STF). A lei é inconstitucional em muitos pontos e não resiste a um sério controle de convencionalidade, mas o STF decidiu pela sua constitucionalidade e é o que temos”, diz Alexandre Rollo, advogado, mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP.

Ele lembra dos precedentes de fraude à lei que inspiraram a decisão do TSE. “A Constituição, no seu artigo 14, diz que são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, os cônjuges e parentes dos Chefes do Poder Executivo. Para escapar dessa inelegibilidade, alguns prefeitos, em segundo mandato, se ‘divorciavam’ de suas então esposas para lançar o ex-cônjuge como candidato na sequência. Afinal, a Constituição tornava inelegível o cônjuge, não o ex. Porém, a Justiça Eleitoral reconheceu fraude à lei em vários casos de divórcios simulados, o que fez surgir a Súmula Vinculante 18 do STF”.

Portanto, segundo Rollo, a intolerância da Justiça Eleitoral à chamada fraude à lei não é uma novidade. “No caso Deltan foi exatamente isso o que fez o TSE. Não admitiu fraude à lei e reconheceu a incidência da inelegibilidade prevista na Lei Complementar 64/90. Para o Tribunal, Deltan teria antecipado o seu pedido de exoneração para escapar de um Processo Administrativo Disciplinar, cuja simples pendência já o tornaria inelegível, já que a lei diz que pedir exoneração ‘na pendência de processo administrativo disciplinar’ já o tornaria inelegível”.

Recursos

Agora Dallagnol poderá apresentar recursos (Embargos de Declaração) perante o TSE que serão julgados pelo próprio órgão. Todos os especialistas consultados pela IstoÉ afirmam que dificilmente o ex-procurador conseguirá alterar a decisão.

“Após o TSE, ele irá ao STF onde, ao meu ver, dificilmente conseguirá alterar a decisão uma vez que ele já vem enfrentando muitas dificuldades com os ministros da Corte por causa dos graves erros que a Lava Jato cometeu na época em que ele atuava na operação”, analisa Leão .

Por ser um Tribunal Constitucional, o Supremo poderá analisar apenas os aspectos constitucionais do caso. Questões fáticas ou de mérito como se existiam ou não PADs em aberto ou se houve ou não intenção em burlar a norma poderão ser alegadas, mas não serão analisadas pelo STF em regra.

“No recurso ao STF, Dallagnol pode alegar, por exemplo, lesão ao artigo 14, §3º da Constituição, uma vez que reuniria todas as condições de elegibilidade ali elencadas; lesão ao artigo 14, caput, de modo que não poderiam ser desconsiderados os milhares de votos recebidos (soberania popular), ainda que os votos fossem declarados válidos para a legenda”, explica Freitas Junior.

“As chances de sucesso no recurso ao STF variam de acordo com o ministro relator do caso e se este é mais favorável ou contrário à Lava Jato. Considerando a atual conjuntura dos fatos e a composição do Supremo, as chances são baixas”, conclui.

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