Derrotas no Congresso explicitam necessidade de governo se comunicar com o povo

Lula derrotas povo

2013 foi o início do fim da política de conciliação, a lição não parece ter sido aprendida por Lula e o PT. Créditos: PR/Ricardo Stuckert

As últimas derrotas do governo Lula no Congresso evidenciaram algo já perceptível desde 2013: não há mais espaço para a “política de conciliação” no Brasil. Acostumados aos governos Temer (MDB) e Bolsonaro (PL), que governaram muitos próximos ao Parlamento ou que simplesmente delegaram a ele a maior parte de sua gestão (caso de Bolsonaro), agora os deputados e senadores, em sua maioria de direita e conservadores, querem mais e não estão dispostos a negociar com o Executivo.

O governo teve de encarar várias derrotas na Câmara dos Deputados após uma pseudovitória na aprovação do novo arcabouço fiscal, muito mais austero do que o projeto elaborado pelo Ministério da Fazenda – o que, na prática, tornará a capacidade de ação do governo muito mais limitada. A retirada do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a Agência Nacional de Águas (ANA) e de uma série de sistemas do Ministério do Meio Ambiente — além da transferência do processo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, hoje no Ministério dos Povos Indígenas, para o Ministério da Justiça — foram os maiores retrocessos junto com o avanço do projeto de lei do marco temporal para demarcação de terras.

Buscando reproduzir as práticas de seus governos anteriores, Lula entregou uma série de ministérios ao centrão e aliados, mas não obteve por ora o retorno esperado. Atualmente, o governo conta com cerca de 130 deputados na sua base, número próximo ao que a presidente Dilma Rousseff (PT) teve na votação do seu impeachment.

Levantamento feito pelo Paraná Pesquisas mostra que quase 77% dos brasileiros sequer ouviu falar do arcabouço fiscal. Isso é um grande problema para o governo, pois tendo agora uma margem de atuação muito mais restrita devido à nova regra fiscal, corre o risco de não cumprir suas promessas, o que poderá gerar uma grande insatisfação popular agravada pelo fato da sociedade desconhecer as amarras que o governo possui. Diante disso, o que Lula e o governo deveriam fazer é atuar em duas frentes: a radicalização das pautas de seu governo e a intensificação da comunicação com o povo.

O silêncio da esquerda e a aposta no erro

Se em 2016 ocorreram várias manifestações contra o teto de gastos de Michel Temer, agora militantes, intelectuais e figuras ligadas à esquerda ficaram caladas ou até apoiaram a nova regra fiscal.

O principal argumento dos apoiadores do governo é que o que foi aprovado é “o que era possível diante da conjuntura”. No entanto, nenhum esforço foi feito por parte do governo ou da esquerda fora dele para discutir na sociedade os impactos que essa lei trará para a população. Toda o jogo político foi feito apenas nos gabinetes e bastidores do Congresso, deixando o povo totalmente de fora, o que está evidenciado no desconhecimento da população do que seria o arcabouço.

Ou seja, é justamente por não ter maioria no Legislativo que o governo deveria ter feito um trabalho intenso de comunicação com a sociedade para que ela seja empoderada e chamada para discutir o rumo do país. A aposta contínua na “política de gabinete” e na conciliação já mostrou seus resultados em governos anteriores do PT e vem novamente gerando problemas que já deveriam ter sido superados pela análise da realidade brasileira.

Ciclos de revolta, transformações e retrocessos brasileiros

A incapacidade de se continuar um processo de transformação social por meio da conciliação de classes, dando benefícios tanto aos de baixo quanto aos de cima, gera um momento de impasse que obriga um governante a optar de que lado está. João Goulart em seu governo optou pelo povo, mas sua insistência na conciliação com grupos que não queriam o diálogo foi o seu grande erro.

O resultado disso foi o golpe de 1964. Neste momento atual, fica evidente algo que tem se repetido na história brasileira. O desejo da sociedade por transformações resulta na mudança de um governo ou regime (fim da República Velha com a Revolução de 30) e, após um ciclo de melhoria de vida para a população (governos populistas) por meio da conciliação de classes, chega-se a um momento em que esta melhoria para todos não é mais possível.

A incapacidade de continuar com esse processo conciliatório gera um impasse que, se não for resolvido em prol da continuação das mudanças e do rompimento com a política de conciliações, resulta em um processo reacionário (golpe militar de 64) de retrocessos políticos e econômicos.

Com a eleição de Lula em 2002, inicia-se novamente um ciclo populista de conciliação de classes possível pela conjuntura econômica mundial favorável, especialmente pelo “boom das comodities”. Quando esse cenário acaba, com a crise econômica mundial que se inicia em 2008 e devido à má gestão da economia dos governos de Dilma Rousseff, o país volta a se encontrar em um impasse diante das demandas da população e um dos seus resultados foram as manifestações de 2013.

Junho de 2013 mostrou que a população desejava a continuação e a intensificação do ciclo de transformações e de melhoria de vida iniciado nos governos petistas, que, entretanto, já não conseguiam mais entregar o que haviam prometido. No entanto, a ausência de propostas claras de resolução das demandas da sociedade pela esquerda, especialmente a institucional que se encontrava no governo, fez com que a direita fosse gradativamente tomando o rumo das manifestações, especialmente com pautas anticorrupção, incentivadas pela Operação Lava Jato.

Não há vácuo na política. Se a esquerda se mostrou incapaz, seja no governo ou fora dele, de apresentar respostas para as demandas da população, outras forças políticas ocuparão o seu lugar. Neste caso, completou-se o fim do ciclo populista com a reação reacionária que resultou no golpe de 2016 que tirou Dilma do poder. Mais uma vez o Brasil encerrou seu ciclo populista com uma ruptura conservadora.

Se 2013 foi o início do fim da política de conciliação, a lição não parece ter sido aprendida por Lula e o PT, que continuam insistindo dez anos depois nessa mesma fórmula em uma conjuntura totalmente adversa política e economicamente. Com as várias derrotas do governo no Congresso, a pergunta que fica é: será que agora a esquerda institucional entenderá que para governar não é possível apostar apenas na política de gabinete e que é preciso apostar na comunicação com a sociedade  e na sua mobilização para que o processo de transformações seja continuado?

O erro histórico da esquerda brasileira, portanto, consiste em, diante do impasse gerado pela incapacidade de avançar continuamente pela via da conciliação, ao invés de se apostar na radicalização do processo de transformação social, buscar conciliação com quem não quer mais o diálogo. Isso cria um impasse que, diante da inação da esquerda, resulta em um retrocesso conservador.

Se Lula e o PT não entenderem a lição que está sendo dada pelos fatos e pela história, corremos o risco de não apenas vermos o fracasso de seu governo como, consequentemente, o retorno das ideologias extremistas que poderão aprofundar ainda mais o processo de retrocessos em que nos encontramos.