CPMI dos atos antidemocráticos testará resiliência do governo e narrativas da oposição

Governo promete enterrar narrativas “terraplanistas” da oposição durante CPMI. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investigará os atos antidemocráticos do 8 de janeiro será instalada na próxima quinta-feira (25). Até a última sexta-feira (19), já haviam sido indicados os nomes de 25 parlamentares para compor o colegiado.

A oposição, que encabeçou o pedido de abertura, deseja transformar a comissão em um palco para atacar o atual governo. “A oposição foi a primeira interessada na CPMI. Primeiro porque ela atrasa o governo e não deixar Lula governar é um objetivo da oposição desde janeiro. Segundo, ela dá espaço para a disputa de narrativa na tentativa de colocar o governo como vilão ou, no mínimo, como imprudente e incompetente, pois não conseguiu evitar o 8 de janeiro. Além disso, as edições dos vídeos da CPMI alimentam as redes sociais e colaboram para manter a base bolsonarista ativa”, afirma Joyce Martins, professora de Ciência Política na UFAL (Universidade Federal de Alagoas).

Nas últimas semanas, entretanto, o debate sobre a comissão esfriou e nem o governo ou a oposição demonstravam muito interesse na sua instalação. Do lado da oposição, as investigações das depredações pelas autoridades policiais têm se aproximado cada vez mais de parlamentares e empresários bolsonaristas, militares e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Creio que a questão do financiamento dos atos golpistas é um dos principais temores do bolsonarismo, já que pode implicar gente importante para o movimento, tanto no meio empresarial como no âmbito político”, diz Claudio Couto, cientista política da FGV EAESP.

O governo, por sua vez, não desejava inicialmente a criação do colegiado. A gestão Lula considerava que, diante do trabalho das polícias e das ações tomadas pelo Judiciário, a CPMI perderia a razão de existir e ainda dificultaria a aprovação de matérias de interesse do governo no Congresso, já que tumultuaria o funcionamento do Legislativo.

“O receio do governo vem do fato de que CPIs são como buracos negros, que sugam energia à sua volta, no caso, a necessária para fazer avançar agendas substantivas do governo. Além de ter que se empenhar em se defender das acusações, há um desvio da atenção pública e dos parlamentares da base situacionista para a atuação na comissão”, analisa Couto.

Porém, após a divulgação das imagens que mostraram o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Gonçalves Dias, dentro do prédio do Planalto no dia dos ataques, o governo passou a defender a CPMI. Segundo o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ela será uma “pá de cal” na tentativa de parlamentares da oposição de criar o que ele chamou de “teoria terraplanista” de que integrantes do governo Lula estariam envolvidos nos atos.

Como funcionará a CPMI?

Apesar do barulho da oposição e após articulação na Câmara e principalmente no Senado, o governo conseguiu obter maioria dentro da comissão. No total, a CPMI terá 32 parlamentares titulares e o mesmo número de suplentes.

O pedido da comissão partiu da oposição ao governo por requerimento do deputado federal André Fernandes (PL-CE), que, após os ataques do dia 8, postou nas redes sociais a imagem de porta arrancada do gabinete do ministro do Supremo Alexandre de Moraes com a seguinte legenda: “Quem rir vai preso”. A comissão terá 180 dias para investigar quem são os responsáveis por incitar, financiar e participar dos atos golpistas de 8 de janeiro, que resultaram na depredação de prédios dos Três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário).

As comissões parlamentares de inquérito possuem poderes de investigação semelhantes às de autoridades judiciais, podendo convocar autoridades, requisitar documentos e quebrar sigilos pelo voto da maioria dos integrantes.

Centrão

Para os analistas, além de palco para a oposição promover as suas narrativas, a comissão também representa um momento para se enfraquecer o governo e, a partir disso, forçar negociações com o Executivo.

“O Centrão não tem pensamento homogêneo e se reconfigurou com a chegada de Lula ao poder. Antigos aliados de Bolsonaro parecem estar preocupados com a CPMI, enquanto novos adeptos da situação veem chances para cargos e emendas. A CPMI é conveniente a Lira e a Pacheco porque dá poder a eles diante do governo e da oposição, já que ambas as forças precisam negociar com eles. Além disso, é uma oportunidade de marcar independência e descolar-se do governo anterior, principalmente no caso de Lira”, explica a professora da UFAL.

“Toda CPI ou CPMI tem muito de tentar enfraquecer o governo para tentar tirar algo dele, então sempre tem aqueles parlamentares que querem dobrar o governo porque de um governo ajoelhado, mais fraco, você tira mais coisas. Portanto, esse grupo se une aos bolsonaristas na defesa da instalação de uma CPMI”, afirma Alberto Carlos Almeida, cientista político.

Possíveis desdobramentos

Para os especialistas, não está claro o que deverá resultar da comissão. No entanto, há a noção de que ela corre o risco de se tornar irrelevante.

“O que vai acontecer está confuso, porque ela é inútil e ninguém tem força suficiente para instalá-la de uma maneira eloquente ou vetá-la de vez”, afirma Almeida. Para Couto, por já existirem outras investigações robustas em curso por parte da PF, MPF e no STF, o colegiado tende “a produzir mais fumaça do que calor e luz”.

Integrantes até o momento:

Segundo a proporcionalidade dos blocos partidários, até o momento a formação da CPMI ficará da seguinte forma:

Senado (titulares)

Ana Paula Lobato (PSB-MA)
Damares Alves (Republicanos-DF)
Eduardo Girão (Novo-CE)
Eliziane Gama (PSD-MA)
Esperidião Amin (PP-SC)
Fabiano Contarato (PT-ES)
Magno Malta (PL-ES)
Omar Aziz (PSD-AM)
Otto Alencar (PSD-BA)
Rogério Carvalho (PT-SE)

Câmara (titulares)

Aluisio Mendes (Republicanos-MA)
André Fernandes (PL-CE)
Arthur Oliveira Maia (União-BA)
Carlos Sampaio (PSDB-SP)
Delegado Ramagem (PL-RJ)
Duarte Jr. (PSB-MA)
Duda Salabert (PDT-MG)
Erika Hilton (PSOL-SP)
Filipe Barros (PL-PR)
Jandira Feghali (PcdoB-RJ)
Paulo Magalhães (PSD-BA)
Rodrigo Gambale (Podemos-SP)
Rogério Correia (PT-MG)
Rubens Pereira Jr. (PT-MA)