O jornalismo cultural no nordeste brasileiro: os desafios da revista Berro

Créditos: arquivo Berro

A revista Berro é uma publicação jornalística e literária, nascida no estado do Ceará, que busca, por meio de linguagem informal e por vezes humorística, olhar para as periferias tratando de temas culturais e políticos.

A revista foi criada em meio às manifestações de 2013, quando uma onda de revoltas e manifestações começaram na cidade de São Paulo, inicialmente pela redução da passagem de ônibus, mas que se espalharam pelo Brasil e abraçaram outras reivindicações da população. 

“Uma frase que nos instigava muito era abaixo a mídia, seja a mídia’”, lembra o jornalista João Ernesto, cofundador da revista junto com Artur Pires, Thiago Rodrigues e Rafael Salvador, na época estudantes de Comunicação Social.  “Havia a necessidade de pensarmos um jornalismo com uma pegada mais cearense e o ‘berro’ é uma metáfora do ‘colocar a boca no trombone’, fazendo uma mediação de grupos historicamente oprimidos tratados de forma estigmatizada pela imprensa”, explica Ernesto.

O bode Berro é a mascote da revista que percorre o estado observando sertão e cidade com olhar crítico. “O que ele vê são problemas do Ceará, que acabam sendo comuns a muitos locais. Temos o recorte regional, mas usamos o local para falar do mundo”, explica o cofundador.

Créditos: arquivo Berro

A partir da sua inserção no Mapa de Jornalismo Independente da Pública em 2016, a publicação conseguiu alcançar pessoas fora do Ceará, o que trouxe visibilidade e colaboradores. “O Ceará, junto com a Bahia e Pernambuco, é um estado que tradicionalmente tem força no jornalismo”, afirma Mariama Correia, pesquisadora de Nordeste do Atlas da Notícia.

Colaboração e financiamento

Funcionando de forma colaborativa, a Berro recebe desde poesias a reportagens, apostando em diferentes formatos, como quadrinhos e ensaios fotográficos. “A nossa plataforma busca aglutinar esses ‘berros’ que não podem ser deixados na gaveta”, diz Ernesto.

Segundo ele, a publicação tem tido uma boa recepção por parte do público, formado principalmente por jovens universitários de Fortaleza. “Talvez pela cidade estar carente de publicações como a nossa, gratuita, e que trata de temas que normalmente são negligenciados.”

Leo Silva, leitor e colaborador da revista, a conheceu virtualmente em 2015 por meio de movimentos sociais de Fortaleza. “Eles têm uma forte presença nesses meios e se acaba criando uma conexão direta”, explica.

Para Silva, que publicou vários trabalhos na Berro, entre eles um ensaio fotográfico sobre o Conjunto Palmeiras, comunidade periférica de Fortaleza, o que mais chamou atenção foi a abordagem da revista. “Nós vemos diversos meios de comunicação tratando a periferia pelo olhar da violência, mas a Berro sai dessa visão padronizada.”

“Nossos únicos critérios de publicação são a não publicação de materiais discriminatórios e sem assinatura. A maioria deles já vem com um release e nós o transformamos numa matéria”, afirma Ernesto.

A gratuidade é um princípio do veículo e até hoje mais de 13 mil versões impressas foram distribuídas em escolas públicas, bibliotecas, estabelecimentos culturais, entre outros locais. “Acreditamos que o acesso tem que ser livre e todo o nosso conteúdo é licenciado sob Creative Commons. Produzimos tudo com programas de código livre, sem Photoshop”, defende o cofundador.

Créditos: arquivo Berro

Para Silva, porém, o problema da revista é a falta de investimento, que compromete a sua periodicidade. Em oito anos, foram feitas seis edições impressas da Berro. A sétima seria lançada em 2020, mas foi adiada pela pandemia.

Segundo Ernesto, as primeiras quatro foram bancadas pela Associação dos Funcionários do Banco do Nordeste, mas para financiar as seguintes foram vendidos espaços no site e revista, além de cursos de formação em “Educomunicação” feitos pela equipe.

“Devido à necessidade de termos outros trabalhos, acabamos às vezes não dando prosseguimento aos nossos planejamentos e a pandemia nos obrigou a repensá-los”, diz Ernesto. Agora o objetivo do grupo para obter autonomia de recursos é focar na disputa de editais, além de buscar apoiadores como ONGs e fundações que façam doações, troquem serviços ou que contratem os cursos de “educomunicação” “leitura crítica da mídia”, “produção textual” e “diagramação criativa” oferecidos pelos integrantes, além da continuidade da venda de espaço no site e revista.

Futuro e conselho para jornalistas

Todo lançamento da Berro é acompanhado de um evento que promove uma roda de conversa sobre o tema da edição, o que acabou sendo inviabilizado pela pandemia. Cada edição é composta por uma matéria principal, um ensaio fotográfico, e uma parte literária com poesias, crônicas e contos.

“Antes da pandemia, estávamos com a pauta pronta sobre a cena cultural cearense dos últimos anos, mas com a crise sanitária o evento de lançamento foi impossibilitado”, relata Ernesto. A ideia é que a próxima edição seja lançada apenas virtualmente, o que ocorrerá em breve. 

O grupo passou a contar recentemente com uma nova integrante, a fotógrafa Uli Batista, e pretende contratar um estagiário para melhorar a organização das suas redes sociais.  “Depois de oito anos queremos ter mais estabilidade financeira e vamos pensar em formas de viabilizar isso. Sempre quando entra um integrante, surgem novas ideias e possibilidades”, afirma o cofundador.

Para aqueles que desejam criar uma mídia própria, Ernesto deixa o conselho: “Se não acreditássemos na necessidade de nos expressarmos e de não aceitarmos os padrões estabelecidos, a revista não teria se mantido. Como lição, o que fica é que vale a pena insistir naquilo que nos move e que nos é mais caro”.