Como o jornalismo pode alcançar o público jovem?

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Existe um distanciamento histórico entre o jornalismo e o público jovem e entender esta audiência atualmente significa compreender a sua relação com as redes. Para os jovens, as notícias não são apenas digitais, mas sociais. Buscando entender a relação dessa audiência com o jornalismo, o Reuters Institute realizou o estudo “The Kaleidoscope”, que trouxe descobertas importantes para o setor.

O levantamento feito no Brasil, Estados Unidos e Reino Unido, com jovens de 18 a 30 anos, revelou que as notícias normalmente são consumidas por esse público em ambientes digitais e sociais, onde os conteúdos são fragmentados, descontextualizados e apresentados nos “feeds” das plataformas junto a outras informações não jornalísticas. A consequência disso é uma menor relação entre essa audiência e as marcas jornalísticas.

Notícias “sérias” e “gerais”

Para os jovens, há uma distinção entre notícias “sérias” (política, economia e relações internacionais, normalmente associadas às mídias tradicionais), e “gerais”, que englobam temas como esporte, entretenimento, cultura, ciência e celebridades. Visando preservar a saúde mental, alguns acabam evitando determinadas notícias mais “sérias”, fazendo com que conteúdos “gerais” tenham maior engajamento.

Além disso, foram identificados três perfis de consumidores de notícias. O hobbysta/consciente, que consome jornalismo por prazer ou dever cívico; os “pragmáticos”, que procuram notícias porque elas afetam o seu dia a dia; e os “desengajados”, os quais evitam notícias “sérias” como regra geral, mas que sentem necessidade de saberem dos “grandes acontecimentos” da sociedade.

A pesquisa também mostrou que pessoas mais novas são mais céticas em relação à “agenda” dos veículos e que, ao contrário do que diz o senso comum, não há um formato específico (texto, vídeo ou outros) que atraia os jovens.

Desafios das mídias jornalísticas

Para cumprir a missão de engajar a juventude, o relatório da Reuters afirma que os veículos tradicionais precisam ampliar a oferta de formatos e de tópicos tratados pelas notícias e abraçar narrativas mais emotivas, pessoais e com tons de entretenimento. Isso não significa perder profissionalismo e credibilidade, mas repensar a sua marca ou até criar novas marcas.

Produzir conteúdos nativos digitais (elaborados diretamente para a internet e redes sociais) respeitando as particularidades de cada rede é essencial. Para isso, empregar funcionários nativos digitais que já conhecem como funciona o engajamento em cada plataforma é um diferencial importante.

Questões ambientais em alta

O interesse por conteúdos ligados a questões ambientais foi outra descoberta do estudo da Reuters. E justamente nesta linha, o projeto “Engajamento dos Jovens com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – Escolha Verde“, sediado na Universidade do Minho, em Portugal, estuda como os valores morais pessoais dos jovens de 18 a 25 anos influenciam o consumo de notícias ambientais.

A equipe, formada por pesquisadores do Brasil, de Portugal e Moçambique, trabalha com jovens lusófonos destes países para debater as mudanças climáticas. Em uma das ações da pesquisa, foram analisados mais de 20 mil tweets para descobrir quais valores morais são utilizados por este público para comentar notícias ambientais.

“Ao discutirem uma notícia sobre meio ambiente, para os jovens é mais importante saber de quem é a responsabilidade pelo dano ambiental e como fazer justiça do que discutir o próprio dano em si e os cuidados necessários”, afirma Edson Capoano, pesquisador responsável pelo estudo do CECS – Universidade do Minho. 

No Brasil e em Portugal, o debate sobre mudanças climáticas no Twitter gerou mais emoções negativas: os sentimentos oscilaram com maior incidência entre a confiança (13,41%), o medo (12,03%), a tristeza (10,65%) e a raiva (10,16%). “Isso é um alerta porque, embora de interesse, esse tema pode gerar certa rejeição, o que é totalmente natural, já que se forem discutidos apenas os problemas ambientais o público pode acabar associando o assunto a um mal estar psicológico”, defende Capoano.

Conteúdo remixado para jovens

Para alcançar o público jovem urbano, em 2020 dez organizações jornalísticas brasileiras se uniram para criar o Reload, redação compartilhada que produzia conteúdos em vídeo “remixados” a partir das reportagens de cada veículo. Com uma programação decidida colaborativamente, o conteúdo final era construído com jovens comunicadores de diversas regiões do Brasil.

O Reload fez uma pesquisa em 2020 e, a partir dos dados encontrados, foram para os canais em que estava a maior parte do público jovem investindo em vídeo como formato principal. “Ao invés de tirarmos coisas da nossa cabeça, conversamos com os apresentadores, que possuíam perfis diversos, para irmos adaptando o conteúdo e formato. Não usávamos a linguagem sisuda do jornalismo e trazíamos a polêmica de cada questão para o centro das matérias com posicionamentos, ao invés de uma linguagem pretensamente neutra. Isso foi muito importante para atrair os jovens”, diz Simone Cunha, diretora de sustentabilidade da Énois, uma das organizações responsáveis pelo projeto.

O Reload começou no Youtube e passou para outras plataformas, como o Instagram e o TikTok, que tiveram uma relevância muito maior do que o Youtube para fazer o conteúdo chegar aos jovens. “Fizemos os “lyrics” (vídeos com música que contam o que uma reportagem apurou), exploramos o formato de quadrinhos e criamos um avatar do Reload, a Relô, que funcionava como uma espécie de apresentadora”, detalha Cunha. Apesar de ter chegado ao fim em dezembro de 2022, o projeto fez história no jornalismo e conquistou  milhares de seguidores nas redes.