Como 2018, eleição de 2022 será marcada por desejo de mudança

Bolsonaro e Lula polarizam as eleições, cada qual com sua estratégia de angariar novos eleitores. Créditos: EPA

* Artigo publicado originalmente na coluna “Entendendo Bolsonaro” do UOL.

Reduzida à sua essência, uma eleição pode ser tratada como um processo plebiscitário em que a sociedade decide se quer uma mudança de rumos ou a continuidade do atual governo. Diante disso, pode-se dizer que, assim como ocorreu em 2018, 2022 será marcado pelo desejo de mudança.
 
Embora Bolsonaro (PL) seja um político tradicional que está há décadas na política em partidos ligados ao hoje chamado “Centrão”, ele conseguiu, em 2018, capitalizar a insatisfação reinante que permeava a sociedade e tornou-se um símbolo de rompimento com o “status quo”.
 
No entanto, se é verdade que a eleição passada gerou algumas mudanças nas campanhas políticas que vieram para ficar, como o uso intenso de redes sociais e apps de mensagem para disseminação de informações (e desinformação), é preciso analisar com calma as diferentes conjunturas de 2018 e 2022, tendo em vista os fortes indícios de que o anseio por mudanças novamente toma a sociedade brasileira.
 

Lavajatismo e antipetismo

 
As eleições de 2018 aconteceram em um contexto marcado principalmente pelo lavajatismo e pelo antipetismo. Foi nesse cenário que Bolsonaro cresceu, impulsionado tanto pelos erros do PT, que resultaram em escândalos de corrupção e em uma crise econômica, quanto pelo poder de influência de parte importante da imprensa nacional, que reverberou enfaticamente os pecados do governo petista, especialmente no campo da ética, transformando a Lava Jato em um espetáculo.
 
“O antipetismo mostrou-se, na campanha de 2018, uma força social muito mais mobilizada, e o ‘partido da Lava Jato’, maior que o lulismo. Esse foi o verdadeiro embate dessa eleição, a disputa entre lulismo e o ‘partido da Lava Jato’, que encarnava o ‘ser contra tudo que está aí’, em substituição à antiga polarização entre PT e PSDB. Todas as outras tentativas de construção de discurso e de posicionamento na campanha de 2018 se revelaram anódinas, sem impacto, sem relevância, sem capacidade de significância ou de reter a atenção do eleitor”, afirmam os pesquisadores Juliano Corbellini e Maurício Moura em seu livro “A eleição disruptiva: por que Bolsonaro venceu”.
 
Segundo os especialistas, já era perceptível ver uma tendência de subida de Jair Bolsonaro nas pesquisas mesmo antes da facada sofrida por ele em setembro daquele ano. “Diferentemente de outros pleitos, não se tratou de uma eleição na qual a análise do conteúdo do debate eleitoral e das questões que teriam ou não sido relevantes para seu destino pudesse ser feita exclusivamente olhando a TV, as sabatinas e os debates presenciais. O candidato vencedor mal tinha tempo de propaganda na televisão e não esteve em todos os debates ao longo do primeiro turno”, dizem os autores.
 
A previsão, compartilhada por muitos, de que a candidatura de Bolsonaro se desidrataria na “hora da verdade”, baseava-se em alguns pressupostos, como o pouco tempo de TV de que dispunha e o desempenho pífio que teria em debates, o que mostraria aos eleitores o seu despreparo para governar. No entanto, essas questões se mostraram inapropriadas como instrumentos de análise naquela eleição. “Essa previsão, que, com o tempo, se mostrou errada, era mais um sintoma da dissociação cognitiva de grande parte das nossas elites políticas e dos chamados ‘formadores de opinião’ em relação ao estado da opinião pública”, afirmam.
 
Para os pesquisadores, “a grande questão é que houve, nos últimos anos, uma mudança no estatuto de relevância dos diferentes issues ou temas que realmente importam para os eleitores. Muitos analistas e lideranças políticas atribuíam peso a issues que não tinham, em 2018, o mesmo apelo se comparadas ao de eleições passadas”.
 
Um ponto central daquele pleito teria sido o fato de que “a campanha de Jair Bolsonaro não se preocupou em apresentar um projeto de país, mas em se expressar de maneira a refletir o que as pessoas sentiam. Em épocas de crise, o ódio também fala ao coração”.
 
Um ponto central daquele pleito teria sido o fato de que “a campanha de Jair Bolsonaro não se preocupou em apresentar um projeto de país, mas em se expressar de maneira a refletir o que as pessoas sentiam. Em épocas de crise, o ódio também fala ao coração”. Outros fatores também explicam o seu resultado. Um elemento específico e sem precedentes daquele período foi a prisão de Lula e a decisão do PT de manter a sua candidatura até o limite na tentativa de transferir votos para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que havia perdido dois anos antes no primeiro turno a eleição para João Doria (PSDB), quando o partido teve o seu pior resultado eleitoral no primeiro turno das eleições em São Paulo desde 1996.
 
A utilização das redes sociais e do WhatsApp para enviar mensagens políticas foi outro fator com impacto fundamental naquela eleição que deverá, embora com impacto um pouco menor, repetir-se em 2022.
 
Para os autores, no entanto, o fator determinante para a vitória de Bolsonaro foi a divisão da sociedade entre lavajatismo e lulismo. “Os candidatos mais fortes não eram ‘expressões deles mesmos’, mas depositários de sentimentos externos muito maiores. Fernando Haddad era o do lulismo; Bolsonaro, o candidato que os eleitores do ‘partido da Lava Jato’ (antissistema político) encontraram”.
 
O resultado desse embate é conhecido e sentido até hoje. Prevaleceram a desilusão e a frustração com os governos do PT e com elas ocorreu o triunfo de um personagem grotesco tido até pouco tempo antes das eleições como insignificante na vida política brasileira. Afinal, se nem os partidos de direita e esquerda tradicionais conseguiram solucionar os problemas do país, restou à população fazer uma aposta naquilo que considerava a “diferença” e uma ruptura com o “sistema”.
 

2022 não é 2018

 
Porém, o cenário que se apresenta agora é outro e, para além do que foi discutido acima, são várias as evidências de que este pleito será marcado por um desejo de mudança. Se antes Bolsonaro era um “mito”, agora se tornou uma triste realidade e os números das pesquisas mostram isso. Ao contrário de 2018, não é apenas o antipetismo que figura nessas eleições, mas também o antibolsonarismo, resultado do seu desastroso governo.
 
Alguns elementos analisados pelas pesquisas servem como indicativos do atual “espírito do tempo”:
 
Intenção de voto
 
De acordo com a última pesquisa Datafolha, o ex-presidente Lula possui 47% das intenções de voto no primeiro turno, mesmo patamar do levantamento anterior, enquanto Bolsonaro cresceu um ponto (29%). O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também segue onde estava antes, com 8%. Segue sem alterações também o grupo de candidatos abaixo de 2%, encabeçado numericamente pela senadora Simone Tebet (MDB). Brancos e nulos são 6% e indecisos, 3%.
 
Já a pesquisa Genial/Quaest de 2 de julho mostra Lula com 45% das intenções de voto. Em segundo lugar, segue o atual presidente com 31%. Ciro oscilou de 7% para 6% e Tebet apareceu com 2%, mesmo resultado de André Janones (Avante). Pablo Marçal (Pros) marcou 1% e outros pré-candidatos não pontuaram.
 
Ainda de acordo com este levantamento, na simulação de segundo turno, Lula mantém a dianteira, com 53% contra 34% de Bolsonaro. 9% dos entrevistados se dividiram entre brancos e nulos e 4% se disseram indecisos. Há, portanto, 14% de diferença no 1º turno entre Lula e Bolsonaro e 19% no segundo. Em 2002 e 2006, Lula ganhou de José Serra (PSDB) e do seu atual vice, Geraldo Alckmin (hoje PSB, na época PSDB), com 20% de diferença no segundo turno.
 
Somados os votos em todos os candidatos que não são Bolsonaro aos brancos, nulos e indecisos, temos, portanto, uma massa de aproximadamente 70% de eleitores que não desejam a continuidade do atual governo.
 
Rejeição (o antibolsonarismo)
 
O último Datafolha revela também que o atual presidente é o mais rejeitado nesta altura do mandato desde a redemocratização. Nenhum presidente candidato à reeleição esteve tão mal nas pesquisas como Bolsonaro.
 
53% dos pesquisados dizem que não votariam de forma alguma nele, seguido por Lula, com 36% de rejeição. Segundo a pesquisa Genial/Quaest, a rejeição a Bolsonaro também permanece alta, em 59%, enquanto o ex-presidente tem 41%.
 
Em sua coluna, o jornalista e consultor Thomas Traumann analisou os resultados de cinco pesquisas qualitativas para entender o que faz um candidato ser rejeitado por eleitores indecisos e, entre as suas conclusões, percebeu que “o arsenal padrão do bolsonarismo de atacar Lula porque em um novo governo do PT o aborto seria legalizado e a ‘ideologia de gênero´ tomaria conta das escolas é infrutífero entre os indecisos. Aparentemente, Bolsonaro já trouxe para o seu lado todos os eleitores que consideram os costumes um eixo na hora do voto”.
 
Segundo ele, “a mais recente artilharia das redes sociais bolsonaristas de tentar vincular o PT ao crime organizado tem potencial para machucar a imagem de Lula, mas traz consigo um problema: os eleitores sensíveis ao tema segurança pública acham que Bolsonaro não fez nada na área”.
 
Ao que tudo indica, portanto, além de já ter um eleitorado consolidado, a margem de crescimento do presidente é muito baixa.
 
Avaliação de governo
 
O governo Bolsonaro é reprovado por 45% dos brasileiros, ainda segundo o último Datafolha. É o pior desempenho de um governante que disputa a reeleição desde que ela foi criada em 1997.
 
Em julho de 1998, FHC tinha 38% de aprovação e 19% de reprovação. Em julho de 2006, Lula tinha 38% e 21%, respectivamente, enquanto Dilma tinha 32% e 29% neste mesmo mês. Os três conseguiram se reeleger.
 

Eleição entediante

 
Se nenhum fato extraordinário ocorrer até o dia da votação, teremos o que o cientista político Alberto Carlos Almeida vem chamando de “eleição entediante” perante a opinião pública já que, desde janeiro de 2022, as proporções de votos dos principais candidatos não se alteram fora da margem de erro, tampouco a vantagem de Lula sobre Bolsonaro.
 
Segundo o especialista, a tendência é que os votos acabem se concentrando ainda mais em poucos candidatos. “É possível que na reta final da campanha haja um crescimento tanto de Lula como de Bolsonaro, resultado do voto útil, que acaba por tornar qualquer eleição passível de ser descrita sob a Lei de Pareto (lei 80/20) ou mesmo a função exponencial”, afirma em seu boletim.
 
Diante do atual cenário analisado, o diagnóstico final é que Bolsonaro muito provavelmente sairá derrotado das urnas. 2022 não é 2018 e muitas das condições que levaram Bolsonaro a ser eleito não estão mais presentes ou se apresentam com um grau de intensidade menor.
 
Se 2022 será o fim do governo Bolsonaro, o mesmo não pode ser dito da ideologia extremista que o sustenta, a qual continuará existindo, tendo ou não Bolsonaro como sua figura principal. Caso o petismo seja vitorioso e continue insistindo nas mesmas práticas que o levaram a “parir” o bolsonarismo, seu filho bastardo, corremos o risco de vermos o retorno do extremismo de direita daqui a quatro anos, já que a frustração, o ressentimento e a falta de resolução de problemas estruturais da sociedade já mostraram os perigos que podem gerar.