Com Lula de volta ao jogo, WhatsApp bolsonarista parte para ofensiva
- Artigo publicado na coluna “Entendendo Bolsonaro” do UOL.
Pedidos de intervenção militar com Bolsonaro no poder. Petições para destituir membros do STF. Textos de generais ameaçando as instituições. Xingamentos de toda sorte ao ex-presidente Lula e documentário amador acusando-o de roubar R$ 300 bilhões.
Esses são exemplos do que foi discutido em grupos bolsonaristas de WhatsApp entre os dias 8 e 15 de março. No dia 8, uma decisão do ministro Edson Fachin, do STF, anulou todas as condenações de Lula na Operação Lava Jato, restabelecendo seus direitos políticos e tornando-o elegível. Essa ação, por sua vez, reverberou de forma extremamente negativa no círculo digital do presidente Jair Bolsonaro. Nesse período, cerca de 300 mensagens por dia foram veiculadas em três grupos pró-Bolsonaro no app de mensagens (“Aliança pelo Brasil”, “Muda Brasil” e “Respeite a bandeira”).
Entre elas, foi observada a existência de muitas fake news, conteúdos com exageros e imprecisões e matérias jornalísticas baseadas em fatos reais, porém descontextualizadas. Em menor quantidade, também foi possível verificar críticas embasadas na realidade, utilizando editoriais e matérias de veículos jornalísticos.
Tudo isso teve como fontes desde sites de notícias, alguns tradicionais e outros de credibilidade duvidosa, até perfis de redes sociais de políticos e figuras públicas, passando por canais de YouTube e páginas de Facebook.
STF e a conspiração global
Links para sites de notícias pró-Bolsonaro como o “Folha da Política”, que não possui matérias assinadas e não informa quem são os responsáveis pelo seu conteúdo, ressaltam, por exemplo, o fato de sete dos onze ministros da Suprema Corte terem sido indicados pelo PT.
Postagens afirmando que existiria um “grande Acórdão para sabotar o governo em plena pandemia” (sic) viralizaram. O texto, de autoria desconhecida, defende que políticos como Lula, FHC, Ciro Gomes, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre fariam parte de um plano, em conjunto com ministros do STF e “todos os abutres desse pais”, para derrubar o governo Bolsonaro acusando-o de querer implantar uma ditadura no Brasil.
Outra publicação na mesma linha acusa o Supremo de “estar provocando propositalmente um caos no país”. O “esquema” teria o ministro Alexandre de Moraes como “cabeça” e seu objetivo seria afastar Bolsonaro do governo “alegando nulidades das eleições através de provas forjadas no absurdo e ilegal inquérito das FAKE NEWS” (sic).
Um texto cuja autoria é atribuída ao astrólogo Olavo de Carvalho foi outra peça que circulou nas redes. Intitulado “10 Passos que farão do Brasil uma ditadura socialista”, o texto afirma que Lula faz parte de plano para derrubar o presidente que inclui o STF, a Câmara, o Foro de São Paulo e até a ONU.
Segundo a teoria, após o Supremo soltar Lula, a população protestaria nas ruas contra o fato. Militantes do Foro se infiltrariam nas manifestações, provocando violência. O ex-presidente, então, surgiria como “pacificador” e a Câmara aprovaria o impeachment de Bolsonaro alegando que ele “não possui liderança”, fazendo com que Lula volte ao poder por meio de uma campanha trilionária.
Exército, a salvação nacional
O citado artigo, no entanto, não prevê a possibilidade de intervenção militar, mas descreve o funcionamento das Forças Armadas. O ministro do STF Luis Fux delimitou no ano passado a interpretação do artigo, reforçando que a prerrogativa do presidente de autorizar emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois Poderes.
Na peça, o general afirma que a decisão de Fachin é uma “bofetada na cara da nação brasileira” e que o STF “feriu de morte o equilíbrio dos Poderes”. Para ele, “a continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de ruptura institucional”.
Lula, o grande vilão
“Lula o maior bandido vigarista que a república do Brasil já viu” (sic); “Parabéns Lula !! nunca na história da humanidade Um Líder Formou Tantos Ladrões Bandidos Corruptos Maconheiros Desordeiros Jumentos E Retardados para o defender” (sic); “Quando um analfabeto consegue manipular magistrados é sinal de que o país virou um curral…” são uma amostra do que foi dito sobre o petista.
Um meme afirma: “esse lixo não é comunista, pois vive na riqueza. Não é socialista, porque só pensa nele próprio. Não é capitalista, pois não produz nada, nem com capital, nem com trabalho. É um ser abjeto, desonesto, mentiroso. Em resumo: um bosta” (sic).
A obra tem início com a imagem de Bolsonaro chegando a cavalo em uma manifestação de simpatizantes em frente ao Palácio do Planalto com a voz da narradora dizendo que no Brasil “a democracia está forte e a corrupção, em vertigem”. Ela chama Lula de “o maior corrupto mentiroso da história do Brasil” e Bolsonaro de “democrático, honesto, humilde e corajoso”.
A pandemia e o outro lado
Não foram apenas Lula e o STF que alimentaram as redes bolsonaristas no período pesquisado. Temas recorrentes desde o início da pandemia se mostraram presentes como as críticas aos governadores e às políticas de isolamento social.
Vídeo do canal Celio Lobo no YouTube sintetiza os principais argumentos contra o lockdown e as políticas sanitárias aplicadas por governadores pelo país. Segundo o narrador da peça, que procura demonstrar o autoritarismo dos gestores estaduais comparando-os a Stalin e Hitler, “o sonho encantado dos comunistas do Brasil é implantar o comunismo, mas para implantar o comunismo é preciso empobrecer a população de maneira que ela venha comer nos pés dos governantes. O que aconteceu? Essa questão viral propiciou que eles fizessem isso de maneira mentirosa, dizendo ‘olha, estou te protegendo do vírus’, mas com o objetivo de destruir o emprego e a renda”.
Diante de tantos conteúdos de ódio e notícias falsas, pode-se imaginar que não há espaço para amenidades do cotidiano nessas comunidades. No entanto, embora em quantidade bem menor, publicações que tratam de outros temas também circulam nesses ambientes digitais.
Foi possível ver propagandas de negócios como lanchonetes, pizzarias e caminhões para transporte, além de mensagens, cristãs e laicas, agradecendo pelo dia e homenageando as mulheres no Dia Internacional da Mulher.
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