Sumaúma: a reportagem criada no coração da Amazônia

Sumaúma reportagem Amazônia

Os jornalistas Eliane Brum e Jonathan Watts. Créditos: arquivo pessoal

O jornalismo é uma ferramenta poderosa para dar voz àqueles que muitas vezes são deixados de lado e para chamar a atenção de questões negligenciadas. Com o objetivo de amplificar as vozes da Amazônia e recentralizar os valores a partir da floresta, foi criada a Sumaúma, plataforma de jornalismo trilíngue que mostra a região amazônica não como um recurso a ser explorado, mas como um lugar de vida pujante e diversidade cultural.

O veículo foi lançado em setembro de 2022 em Altamira, no Pará, por Eliane Brum, consagrada jornalista independente do Brasil, que vive no local desde agosto de 2017, e Jonathan Watts, jornalista britânico, editor de meio ambiente do The GuardianSumaúma é o nome de uma das maiores árvores da floresta amazônica. Nas explicações encontradas no próprio website: “Basta pronunciar a palavra sumaúma (também chamada de samaúma, em algumas regiões) na Amazônia, para que cada pessoa conte uma história”. E foi justamente por isso que este foi o nome escolhido para a plataforma de jornalismo.  

Brum explica que a ideia da criação de Sumaúma surgiu da necessidade de trazer à tona as histórias e perspectivas dos povos da floresta e deslocar o que é centro e o que é periferia. “Nós defendemos que os centros do planeta é onde estão a vida, as florestas, oceanos e outros biomas e não onde estão os mercados”. Para ela, é imperativo dar destaque às vozes dos que vivem em contato direto com a natureza e protegê-la, especialmente em um momento de colapso climático e extinção em massa de espécies.

Plataforma colaborativa

A plataforma, que funciona de forma colaborativa, valoriza as diferentes tradições narrativas e por isso aposta numa produção em diversos formatos, com reportagens, ensaios fotográficos, vídeos e podcasts. “Eles (povos da floresta) nos ensinam como eles contam as histórias e fazem reportagem, nós ensinamos como nós fazemos reportagem e disso devem sair novas formas de fazer jornalismo”, afirma Brum. “Partimos do princípio de que o jornalismo que fazemos tem cerca de 200 anos, enquanto os povos indígenas transmitem notícias e contam histórias há milhares de anos. Portanto, eles têm muito a ensinar pra gente”.

A Rádio Sumaúma é um exemplo de iniciativa que busca respeitar a tradição oral de transmissão de conhecimento. Além disso, a equipe do veículo oferece cursos e oficinas para jornalistas e estudantes interessados em aprender mais sobre a região.

A escolha de viver na floresta

Para Brum, a opção pela vida na região amazônica traz outra perspectiva para o seu trabalho jornalístico. “Vivemos aquilo que estamos reportando. No último ano do governo Bolsonaro eu testemunhei incêndios criminosos da janela da minha casa”, conta Brum. “Estando aqui, portanto, posso entender esses fatos de outra maneira. Não é algo distante”.

Ela destaca a importância de dar visibilidade às pessoas que lutam pela preservação da floresta e que colocam suas próprias vidas em risco. “As pessoas que são mortas, assassinadas ou estão escondidas em refúgios, exiladas dentro do seu próprio país são pessoas que eu conheço e que estão ao meu redor. Eu vou nos seus enterros, dos seus familiares e eu conheço a dor delas”, diz Brum. 

Uma das jornalistas que se juntou à equipe de Sumaúma é Veronica Goyzueta. Ela pretende deixar São Paulo ainda este ano para se juntar à equipe em Altamira e explica que a decisão de se mudar para a Amazônia foi motivada pelo desejo de viver perto da natureza e fazer parte de um projeto que luta pela floresta e seus povos.

“Eu trabalhei uma boa parte da minha vida escrevendo sobre o Brasil para meios da Europa e dos Estados Unidos e em uma parte desse tempo o meu trabalho foi sobre negócios e mercado financeiro”, explica Goyzueta. “Esse mercado guia boa parte da mídia que estamos acostumados a ler, ouvir e assistir. Isso para mim deixou de fazer sentido há muito tempo e estou feliz de fazer parte de uma plataforma que busca outro sentido para o jornalismo”.

Goyzueta, que foi presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo por quase dez anos, está empolgada com esta guinada profissional. “Quando surgiu o convite da Eliane esse foi o caminho de concretizar isso que já havia pensado. Acho que o fato dela e do John estarem lá me dá um respaldo”, diz ela. “Com certeza não será simples, porque mudanças em si já são complexas, ainda mais para uma cidade que tem uma realidade completamente diferente da que eu estou acostumada, mas estou curiosa e com bastante vontade de ver como será minha nova vida por lá”.